A administração do Hospital Adão Pereira Nunes, após problemas da administração estadual com a gestão pela OS previamente responsável pela administração da unidade (conforme amplamente divulgado pelos veículos de imprensa), foi recentemente delegada à prefeitura da cidade de Duque de Caxias.

O HEAPN congrega o maior serviço público de urgência cirúrgica pediátrica do Estado do Rio de Janeiro, atendendo também cirurgias eletivas, seguimento pós operatório em enfermaria e ambulatório e formação de residentes. Toda esta estrutura vêm sendo mantida há quase uma década através do trabalho de uma mesma equipe.

Há apenas três serviços públicos que dispõem de plantonistas diários por 24h com atendimento cirúrgico pediátrico no Grande Rio, incluindo o HEAPN, o que faz deste serviço um centro estratégico de atendimento à saúde da criança, inclusive emergencial. Por todos estes fatores, a diretoria da Associação de Cirurgia Pediátrica do Estado do Rio de Janeiro (CIPERJ) vêm acompanhando com muita atenção e preocupação os acontecimentos referentes à mudança de gestão.

Em virtude das modificações administrativas, o grupo de cirurgiões pediátricos que atua no hospital está obrigatoriamente renegociando o seu contrato de prestação de serviços para a Secretaria Municipal de Saúde de Duque de Caxias. Segundo relatos de associados envolvidos na negociação, a empresa privada (OS) que será doravante responsável pela gestão do hospital oferece um contrato em que os médicos prestadores de serviço se tornarão associados à empresa, contratados individualmente no papel de pessoa jurídica, passando a ser pagos por hora de trabalho e não pela jornada de trabalho (como plantonistas, em cirurgias eletivas e para atendimento clínico em enfermarias e ambulatórios), contrapondo-se à forma atual de relação trabalhista, mediante contratos CLT.

Este tipo de contratação desvaloriza o médico em geral e o cirurgião pediátrico em especial, retirando dos profissionais qualquer garantia trabalhista, estabilidade funcional e planejamento de carreira. Em troca de agilidade e economia para o gestor o profissional médico não tem qualquer direito trabalhista ou estabilidade. Não pode assumir uma prestação para compra de um objeto (não tem estabilidade que o permita). Pode (e tem sido) demitido sumariamente através de mensagens em mídias sociais sem aviso prévio nenhum, às vezes seguindo caprichos de seus superiores. Não pode adoecer ou engravidar (porque então não é remunerado). Nem considera reclamar com seus superiores, sob pena de se tornar inconveniente e dispensável imediatamente (ainda que a reclamação diga respeito à segurança do paciente). Depende de ser cordato para manter empregabilidade.

Duvidamos muito que a sociedade queira profissionais médicos tornados mascates de suas habilidades duramente conquistadas com treinamento diuturno e compromisso eterno. Duvidamos muito que a sociedade queira médicos para quem o trabalho se encerre numa troca de serviço por dinheiro, contabilizado nos ponteiros de um relógio, pura e simples. Duvidamos que a sociedade queira médicos que não podem defender ativamente a segurança e a excelência do que fazem, para ter chances de emprego.

Estes são problemas extremamente sérios, em se considerando uma profissão em que o amadurecimento e aperfeiçoamento profissional dependem de educação continuada e assimilação organizada de experiência profissional. Para isso é necessária uma carreira. Um médico, em especial um cirurgião pediátrico, é um profissional exaustiva e permanentemente treinado. Seu trabalho não é uma simples prestação de serviço: o trabalho de um médico tem requisitos éticos e de advocacia dos direitos do paciente, que não se esgotam no ato cirúrgico. Seu treinamento não se encerra ao final do período de residência médica. Qualquer pessoa concorda que a relação de um paciente com seu cirurgião não se esgota nas duas horas em que é realizado o procedimento cirúrgico, da mesma forma que a relação do profissional com seus colegas é maior e mais plena do que o cumprimento de um horário de trabalho.

O jornalista Rubem Berta, em matéria de fevereiro deste ano sobre a contratação de médicos por algumas Organizações de Saúde, escreveu um texto com informações muito úteis para nossa reflexão. Estas empresas, para maximizar a agilidade de contratações e demissões e evitar responsabilidade e custo com direitos trabalhistas, têm “quarteirizado” sistematicamente a contratação de profissionais. A contratação de profissionais em regime CLT é substituída pela “associação” de profissionais individuais como pessoas jurídicas. A relação é permanente e trabalhista de fato, com cumprimento de escalas de trabalho semanais, mas não há direitos correspondentes. Documentos enviados ao Ministério Público comprovam que para as OSs não existem mais obrigações trabalhistas, apesar da contratação em grande número de trabalhadores da área da saúde. Considerando que a tendência óbvia no momento é tornar as OSs os maiores responsáveis por contratações na área de saúde, e, portanto, os detentores e reguladores deste enorme mercado de contratações, nossa preocupação é enorme.

Talvez estas operações sejam legais, mas não são éticas, certamente não são morais e terão consequências devastadoras não apenas para a profissão médica, mas também, em última instância, para a população, que precisa de um atendimento com qualidade e responsabilidade.

Conforme já publicado em nosso site e nas redes sociais da CIPERJ, por uma questão de ética, solicitamos, como sempre, aos cirurgiões pediátricos, vinculados ou não à CIPERJ, que se chamados para qualquer tipo de negociação com o HEAPN para prestação do serviço em questão, entrem em contato com a CIPERJ para ter certeza que as negociações com o grupo que presta serviço ao hospital neste momento foram encerradas.

Precisamos, mais do que nunca, estar atentos.

Precisamos, mais do que nunca, defender a nossa profissão e, com ela, nossos pacientes.

Juntos somos mais fortes.

DIRETORIA DA CIPERJ